• Tribuna98
  • 15 de abril de 2025

Reforma do Código Civil avança no Senado e propõe mudanças sobre família, herança digital e uso da IA

O Senado Federal se prepara para debater uma das atualizações legislativas mais ambiciosas das últimas décadas: a reforma do Código Civil brasileiro. O projeto de lei, oficialmente apresentado em janeiro deste ano pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), propõe um novo olhar sobre temas sensíveis à vida contemporânea — como uniões homoafetivas, reprodução assistida, herança digital, inteligência artificial e até modelos de aluguel por plataformas como o Airbnb.

A proposta é resultado de um extenso trabalho de uma comissão de juristas formada em 2023, que contou com 37 integrantes e foi presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O grupo funcionou até abril deste ano e elaborou um texto que moderniza a legislação civil vigente, ainda baseada no Código de 2002 — sucessor direto do primeiro Código Civil brasileiro, de 1916.

A reforma ainda aguarda despacho da Presidência do Senado para ser distribuída às comissões temáticas. Se aprovada pelos senadores, seguirá para análise na Câmara dos Deputados.

Reconhecimento legal das uniões homoafetivas

Um dos pontos mais simbólicos da proposta é a inclusão das uniões homoafetivas como uma forma legítima de constituição de família no ordenamento jurídico. Desde 2011, casais do mesmo sexo têm seus direitos reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas a legislação nunca foi atualizada para refletir essa realidade.

A proposta também facilita o divórcio e a dissolução de união estável por meio de pedido unilateral, que poderá ser protocolado diretamente em cartório com assinatura do interessado e de um advogado ou defensor público. A parte contrária será notificada e, após cinco dias, o divórcio será oficializado.

Normas para reprodução assistida e “barriga solidária”

Pela primeira vez, a reprodução assistida será regulamentada por lei. O texto estabelece critérios rigorosos para doação de material genético, que deve ser feita por maiores de 18 anos, com consentimento formal e sigilo absoluto. Embriões congelados não poderão ser descartados e poderão ser destinados à pesquisa científica ou a outros pacientes.

A cessão temporária de útero — popularmente conhecida como “barriga solidária” — será permitida apenas de forma não comercial e preferencialmente por pessoas com laços de parentesco com os futuros pais.

Herança digital e limites ao acesso a dados pessoais de falecidos

A proposta inova ao reconhecer o patrimônio digital como parte da herança. Bens como senhas de contas bancárias, perfis em redes sociais, arquivos digitais e até pontuações em programas de fidelidade passam a ter valor legal.

Entretanto, o texto impõe limites ao acesso às mensagens privadas de pessoas falecidas. O conteúdo só poderá ser acessado mediante autorização judicial e comprovação de necessidade — a não ser que o falecido tenha deixado instruções claras permitindo o acesso.

Inteligência artificial sob regras éticas e de transparência

A regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) é outro ponto central do projeto. A nova versão do Código exige que serviços digitais informem, de forma clara, quando utilizam IA. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias deverá respeitar direitos da personalidade, garantir supervisão humana, segurança, rastreabilidade e acessibilidade.

Airbnb na mira: condomínios poderão restringir aluguel por plataformas

O projeto também permite que condomínios residenciais proíbam a chamada “hospedagem atípica” – modelo de locação intermediada por plataformas digitais como o Airbnb. Para que esse tipo de aluguel seja permitido, deverá haver previsão expressa na convenção do condomínio ou aprovação em assembleia dos condôminos.

Proteção aos animais e mudanças na doação de órgãos

A proposta reconhece os animais como seres sencientes — ou seja, com capacidade de sentir dor e emoções —, o que os torna sujeitos de proteção jurídica própria. Também flexibiliza as regras para doação de órgãos, permitindo que pessoas falecidas possam ser doadoras mediante autorização expressa, sem depender da anuência de familiares.

Próximos passos

No início de abril, o Senado lançou um livro com os principais pontos da proposta de reforma. A publicação foi organizada por Rodrigo Pacheco e reúne textos dos juristas que integraram a comissão. O evento de lançamento contou com a presença de figuras centrais do Congresso e do Judiciário, como os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, do STF.

A expectativa é que, com o avanço da tramitação, o novo Código Civil represente uma resposta mais precisa aos desafios jurídicos e sociais do século XXI, alinhando a legislação brasileira à realidade digital e plural de sua população.

  • Thiago Azevedo
  • 27 de março de 2020

Mediação, renegociação de contratos e a pandemia de covid-19

Nitidamente com o novo coronavírus houve drástica alteração no cenário econômico global, afetando todos os setores da economia.

Em cenários como esse, depara-se com o aumento no número de impasses contratuais e consequentemente de disputas empresariais. Discussões de caso fortuito, força maior, imprevisão e análise sobre as cláusulas contratuais e alocação de riscos, ganham espaço no ambiente empresarial e jurídico. Diante dessas disputas, normalmente as empresas previamente tentam somente a realização de uma renegociação direta entre as partes, sem a assessoria de advogados externos ou de negociadores e, em momento posterior, inicia-se processo judicial ou arbitral, a depender da cláusula de resolução de disputas.

Embora seja a prática comum na experiência brasileira, nem sempre é a mais eficiente para os departamentos jurídicos e para as empresas. A utilização adequada de mediação e assessoria em negociação de contratos podem ser decisivas para resolver impasses estratégicos para as empresas e evitar dispêndio financeiro e de tempo dos envolvidos. Ocorre que por meio de decisão judicial ou arbitral, nem sempre os melhores interesses das partes são atendidos. É fato que a solução por meio de arbitragem confere segurança jurídica aos contratos, na medida em que viabiliza solução em prazo reduzido e normalmente por especialistas na matéria. Contudo, de nada adianta sagrar-se vencedor em processo arbitral ou judicial se o cliente não conseguir efetivamente receber o valor da condenação no tempo necessário ou se ocorrer o rompimento de relação comercial estratégica para as empresas. Em determinadas relações comerciais, sobretudo as que são estratégicas, é fundamental utilizar previamente negociação assessorada e principalmente mediação empresarial para resolução das disputas. Por meio da participação de um mediador, profissional com conhecimento e domínio das técnicas deste método de resolução de disputas, pode se alcançar solução que atenda aos interesses das partes. Equívoco frequentemente cometido na utilização da negociação ou mesmo da mediação, é não se preparar adequadamente para as reuniões. É recomendável que o cliente já esteja assessorado por escritório especializado na prática e fundamental que advogado e cliente analisem previamente todos os aspectos do caso, inclusive utilizando algumas técnicas de mediação. A título de exemplo, advogado e cliente devem antecipadamente projetar o cenário de melhor alterativa a um acordo negociado. Em sentido oposto, igualmente é fundamental exercitar a projeção da pior alternativa a um acordo negociado.

O Estadão